“Se os executivos pensassem como os designers…” Parte III

“Se os executivos pensassem como os designers…” Parte III

É preciso aprender a experimentar

Como alguém passa da condição de bom executor à de profissional brilhante? O que separa a competência técnica da verdadeira inovação? A coragem de experimentar. Certas experiências ocorrem na mente (como o processo no planejamento estratégico, no qual os estrategistas imaginam e projetam novos cenários) e algumas se transformam em protótipos físicos. Outras experiências ocorrem no mundo real, como é o caso da Ikea.

Quando começou, o ousado fundador da empresa, Ingvar Kamprad, tinha apenas uma idéia geral de como seria a revolucionária abordagem de marca em relação à fabricação de móveis. Quase todos os elementos de seu hoje lendário modelo de negócio surgiram com o tempo, a partir da resposta experimental a problemas urgentes. A liberdade de ação dos clientes, por exemplo, tornou-se elemento central da estratégia da Ikea quase por acaso, quando consumidores frustrados invadiram o depósito diante da falta de funcionários para atendê-los. O gerente da loja percebeu as vantagens da iniciativa e sugeriu sua incorporação.

As discussões não precisam ser fechadas

A imagem de um gênio solitário trabalhando em sua oficina é um mito comum na arte, arquitetura e ciência, e também no mundo dos negócios. O design mostra o valor de incluir perspectivas múltiplas no processo de criação, transformando-o em uma troca. Quanto mais complexo o desafio do design, maiores os benefícios de contar com perspectivas e vozes múltiplas.

 

Vejamos o complexo e político processo de planejamento urbano, sobretudo no movimento chamado “novo urbanismo”, que surgiu das experiências de empreendedores e arquitetos da inovadora área de Seaside, na Flórida. O que distingue o novo urbanismo de outros movimentos arquitetônicos é a ênfase na participação ampla, concretizada na forma de charrettes – discussões interativas de longa tradição no mundo da arte e da arquitetura.

 

Derivadas do termo francês que designa “pequenos veículos”, as charrettes eram usadas no século 19, na primeira escola oficial de arquitetura, a École des Beaux-Arts de Paris. Conforme os alunos avançavam nos estudos, seus projetos eram instalados em pequenos carros, nos quais os autores saltavam a fim de dar os retoques finais.

 

O processo adotado no novo urbanismo se baseia em quatro princípios: desde o início, envolver qualquer pessoa que possa construir, usar, vender, aprovar ou reprovar o projeto; atuar de maneira conjunta e multifuncional (reunindo arquitetos, planejadores, engenheiros, economistas, especialistas em mercado, cidadãos, autoridades); aproveitar e dar retorno rápido; e não esquecer os detalhes. Acredito que o sistema oferece uma alternativa importante ao tradicional processo de planejamento estratégico ao convidar o sistema todo para participar e ao incluir o conhecimento local na discussão.

 

É preciso falar de outra forma

Não basta encher uma sala de pessoas: para obter criações superiores, é preciso mudar a maneira como conversamos. A maioria de nós aprendeu a adotar uma posição (e a defendê-la), mas, em um grupo formado por integrantes diversos, o debate tende mais a resultar em impasses do que em descobertas, uma vez que estas derivam do questionamento (e não da discussão das soluções disponíveis) e da reavaliação do que se considera imutável.

Um exemplo é a criação do Central Park, de Nova York. Em 1857, foi realizada a primeira concorrência para escolha do projeto do parque. De todas as propostas, apenas a de Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux atendia a todos os critérios. E qual era a exigência mais ousada? Permitir a passagem de veículos sem prejudicar o ambiente do parque, solução que os outros proponentes não conseguiram apresentar. Olmsted e Vaux se diferenciaram ao imaginar a área como um espaço tridimensional e incluir a passagem de quatro vias por baixo do parque.

 

Pode ser útil trabalhar “de trás para frente”

A maioria dos executivos aprende a seguir uma metodologia direta de solução de problemas: definem a questão, identificam e avaliam as várias soluções e escolhem uma delas. Já os designers fazem o processo inverso, como alertou Stephen Covey ao propor primeiro a solução imaginada para depois trabalhar para sua realização.

Thomas Jefferson dedicou a última década de sua vida à manutenção da University of Virginia, pois acreditava na clara relação entre democracia e formação: sem uma população educada, não haveria possibilidade de promover o regime que ele e outros haviam se esforçado para criar. A universidade de Jefferson deveria produzir pensadores com abertura de pensamento e se distinguir dos demais estabelecimentos em outros aspectos: seria uma comunidade movida em parceria pela instituição e pelos alunos, a fim de gerar o tipo de aprendizado essencial para a democracia, e com um conjunto de instalações menores em vez do típico edifício central. Essa “aldeia acadêmica” cercada de verde proporcionaria um ambiente de aprendizado no qual os alunos desfrutariam uma liberdade sem precedentes, tanto no que se referia à escolha do currículo como no modo de se comportar.

O observador moderno pode achar que a genialidade de Jefferson está na beleza da arquitetura que ele criou, mas boa parte de sua inspiração foi extraída do arquiteto italiano Palladio, que viveu no século 16. O verdadeiro talento está no poder do espaço criado e na capacidade de reforçar os objetivos propostos com tanta intensidade.

 

Devemos começar a conversa levantando possibilidades

Acredita-se que as grandes criações ocorrem do encontro da dificuldade, do acaso e das possibilidades, elementos essenciais para a geração de resultados inovadores, elegantes e funcionais. Mas o ponto de partida tem grande importância. No mundo dos negócios, a tendência é começar as negociações falando das restrições: a limitação do orçamento, a dificuldade da implantação e as expectativas dos acionistas. Por isso, chega-se a resultados muito parecidos com o que já existe. Grandes criações partem da suposição de que não existe nada impossível.

O exemplo final envolve uma de minhas cidades favoritas, Barcelona, e a história de sua imensa catedral inacabada, a Sagrada Família, criada por Antoni Gaudí. Em 1884, Gaudí tinha apenas 32 anos quando foi nomeado o principal arquiteto da igreja batizada de “catedral dos pobres”, pois seria erguida apenas com doações. Desde o início, o arquiteto imaginou a construção que desejava – uma “Bíblia de pedra”, com um interior ousado que lembrasse uma floresta e, na parte externa, torres altas que tocassem o céu. Gaudí decidiu não se limitar pelas restrições quanto aos recursos financeiros e ao prazo, e respondia que “seu cliente não tinha pressa” aos céticos que duvidavam da conclusão do projeto.

Quando começou a faltar dinheiro para o andamento da obra, Gaudí retomou o projeto e fez maquetes incrivelmente detalhadas, usadas na tarefa que assumiu de buscar contribuições. Gaudí não tinha como ignorar as concretas limitações impostas pelos materiais e técnicas disponíveis na época. Como a natureza havia servido de importante fonte de inspiração em todas suas criações, o arquiteto queria produzir espaços grandiosos e ricos em luz natural, e por isso se viu bastante contrariado diante da necessidade de utilizar paredes e vigas sólidas na parte interna da catedral. Sem os conhecimentos matemáticos e as técnicas de simulação existentes hoje, a física da construção também era um desafio, uma vez que Gaudí não queria lançar mão das enormes abóbadas e arcobotantes comuns nas catedrais medievais.

 

Para solucionar todas essas limitações, Gaudí foi atrás de ferramentas e técnicas novas. Encontrou duas então pouco utilizadas em Barcelona na época, mas que seriam a base de seu trabalho. A primeira foi o “arco catenário”, um arco simples cuja forma podia ser simulada pela suspensão de correntes. Para calcular a necessidade de sustentação de peso das imensas torres, Gaudí erguia pequenos sacos de areia. A técnica criou uma representação perfeita (mas de cabeça para baixo!) das formas e dimensões possíveis para as torres. Programas de computador hoje atestam a incrível precisão do método usado pelo arquiteto catalão.

 

A segunda inovação envolvia um material novo: o cimento. Combinado com vigas de ferro, tijolos ou pilares de pedra, além de uma nova forma de construção do telhado, o cimento permitia que as paredes externas sustentassem boa parte do peso do teto, resultando no espaço livre interno que Gaudí tanto desejava.

 

Antoni Gaudí morreu aos 74 anos, atropelado por um bonde quando, por ironia, se dirigia à catedral. Dez anos depois, a guerra civil espanhola atingiu a cidade, forçando a interrupção da obra. Durante os conflitos, o ateliê do artista, com seus arquivos e todos os projetos, foi destruído. Mas as maquetes sobreviveram e serviram de guia para a fase final da construção da igreja, prevista para os 20 anos seguintes.”

Jeanne Liedtka

 

E aí? Gostaram?

 

Cláudio Barizon

 

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